domingo, 3 de fevereiro de 2013

o objetivo e a metodologia da globalização da capoeira





O principal objetivo desse artigo é analisar o processo de internacionalização da capoeira a partir de experiências sistematizadas em seis países da Europa.

Metodologia

Foi adotada uma combinação de observações participantes com entrevistas semi-estruturadas, através das quais procuramos interagir e compartilhar com o cotidiano dos sujeitos, observando e registrando suas ações. Foram observadas aulas práticas e teóricas, intercâmbios, comemorações, exibições e confraternizações. Foram entrevistados os líderes de grupos que já desenvolvem trabalhos sistematizados no exterior há mais de três anos. 
Ciente da complexidade do processo de análise de dados qualitativos, convém destacar que procedemos a análise e a interpretação dos dados numa perspectiva não-linear, atentando para os critérios relativos à credibilidade, transferibilidade, consistência e confirmabilidade, durante toda a investigação, através de teorizações progressivas em um processo interativo com a coleta de dados.

A Internacionalização da capoeira: De Símbolo de Brasilidade a Patrimônio Cultural da Humanidade

Quando muitos capoeiras brasileiros começaram a sair do país, a partir do início da década de 1970, para trabalhar em grupos folclóricos no exterior, em busca de apoio e reconhecimento, não tinham idéia da magnitude que esse fenômeno viria a ter três décadas mais tarde. No início, tudo era muito difícil e a rua era, freqüentemente, o único espaço que eles encontravam para expressar sua arte ou para manter contatos com outros artistas do cotidiano, como palhaços e malabaristas das mais diversas origens.

O principal motivo da saída do Brasil de uma avalanche de mestres, professores e iniciados em capoeira para o exterior é determinado por fatores econômicos e está relacionado com a busca de melhores opções de trabalho, reconhecimento e prestígio. Se, no Brasil, a mensalidade para se fazer aulas de capoeira três vezes por semana oscila em torno de R$ 30,00 (trinta reais, o equivalente a US$ 10 – dez dólares), nas principais cidades americanas e européias este valor corresponde a apenas uma hora de atividade. Para fazer uma aula de capoeira na Academia Alvin Alley Ballet, em Nova York, com a Mestra brasileira Edna Lima, o interessado tem que pagar US$ 20 (vinte dólares) (SANTANA, 2001, p. 7).

Esse movimento de expansão traz conseqüências inusitadas para a capoeira e é visto, por muitos, como algo sedutor, embora venha causando inquietações por parte de alguns preocupados com a “manutenção” das suas tradições. Se, por um lado, muitos alegam que isso vem contribuindo para um certo distanciamento dos princípios e valores que delegaram à capoeira um emblema de “luta de resistência” contra a exploração, por outro, muitos consideram que esse processo está contribuindo para a valorização das referências culturais africanas e para despertar um interesse maior pelo Brasil e pela cultura brasileira.
Muitos analistas apregoam que, nos EUA, a capoeira tem contribuído, também, para revitalizar o elo entre os negros americanos e a África, cuja relação foi abalada pelo processo violento de segregação desencadeado em séculos passados. Na busca desse “elo perdido”, muitos americanos vêm para o Brasil com o objetivo de “beber na fonte” e procuram conhecer os mestres mais representativos desta arte-luta.

Convém destacar que o grande interesse dos estrangeiros pela capoeira se desdobra imediatamente em dois desejos, conhecer o Brasil e falar o português. Muitos mestres e professores que ministram aulas no exterior, em busca de um apelo ao mais “tradicional”, fazem questão de se expressarem no idioma português. Falar português nas aulas de capoeira é um requisito que opera como uma espécie de “selo de qualidade” e vem contribuindo para abrir campos de trabalhos antes impensáveis. O Hunter College, uma das mais tradicionais faculdades de Nova York, já oferece cursos regulares de português, em decorrência da demanda provocada pela capoeira (Nunes, 2001, p. 3).

O movimento de difusão da capoeira no contexto mundial é mais visível e intenso em direção aos Estados Unidos e à Europa. Com raras exceções, comprometidas politicamente em desenvolver trabalhos de “retorno” dessa arte-luta à África, a maioria das iniciativas se destina aos países centrais do capitalismo.

Essa exportação não convencional (na forma de um símbolo étnico), que se expressa pelo movimento de saída de capoeiras do Brasil para trabalharem em outros países, assume dimensões complexas e controvertidas.

Neste movimento complexo, a capoeira vem se inserindo de forma cada vez mais abrangente em vários setores da comunidade internacional. Como conseqüência, algumas “bandeiras” cultivadas e defendidas por seus precursores, como a oralidade, o improviso, a “mandinga”, a resistência cultural, são subestimadas, para darem lugar a outras categorias mais “sintonizadas” com o momento atual, tais como: “mercadoria étnica”, “folia de espírito”, “malhação” e “espetacularização” etc. (VASSALLO, 2003).

O abandono de determinados rituais considerados “tradicionais” é outro aspecto que intriga experimentados capoeiras incomodados com os lampejos de modernidade que, freqüentemente, desconstroem procedimentos rudimentares, mas que, para muitos, exercem um poder simbólico muito eficiente nesse contexto.

Estamos presenciando a construção de uma diáspora brasileira, e a capoeira insere-se, indubitavelmente, como um dos carros chefes desse processo. O fato é que ela vem se expandindo em escala geométrica por todo o globo, e o incremento desse movimento de internacionalização tem ocorrido em comunhão com outros símbolos da cultura brasileira, como o carnaval, o samba, o pagode etc. É possível afirmar que essa diáspora brasileira se constrói sob os ditames da “globalização econômica” que produz uma brasilidade idealizada, construída por cima e ao largo das gritantes diferenças culturais e econômicas que moldam a realidade concreta do povo brasileiro.

Acompanhando e Analisando Experiências Significativas de capoeira pela Europa

Por ocasião das nossas investigações, visitamos importantes instituições de ensino e pesquisa, em especial, faculdades de Educação Física em diferentes países. Em algumas delas, existem trabalhos sistematizados de capoeira que funcionam como projetos de extensão ou como atividades extracurriculares, em que professores brasileiros são contratados por tempo determinado para ministrarem atividades aos que se interessarem. Geralmente, os discípulos pagam taxas que oscilam entre vinte e cinqüenta euros por mês (que corresponde entre sessenta e cento e cinqüenta reais) e, é do montante dessas taxas que provém o pagamento do professor de capoeira, como é o caso dos projetos do Estádio Universitário da Universidade de Lisboa, da Universidade de Varsóvia e da Universidade de Oslo.

O primeiro trabalho de ensino sistematizado de capoeira na Europa foi empreendido pelo reconhecido mestre Nestor capoeira . Embora alguns capoeiras brasileiros tenham realizado espetáculos pela Europa desde 1951, foi Nestor capoeira quem iniciou o processo de ensino sistematizado desta manifestação na Europa, na London School of Contemporary Dance, Inglaterra.

A partir do mestre Nestor capoeira, milhares de workshops e oficinas pipocaram por toda a Europa. Em entrevista, o referido mestre declarou que, embora tenha sabido da passagem de mestre Artur Emídio pela Europa, para participar de shows e ministrar oficinas, foi ele que, em 1971, começou a ministrar aulas sistemáticas de capoeira no Velho Continente.

Ao longo dos últimos trinta anos, o movimento da capoeira na Europa intensificou-se significativamente, fazendo com que ela adquirisse expressiva densidade, mas no começo, tudo era muito difícil pela falta de informação sobre o que realmente significava esse misto de dança-luta-jogo.

O depoimento do mestre Barão, que desenvolve um conhecido trabalho de capoeira em Porto, ao norte de Portugal, serve para ilustrar esse complexo e conflituoso movimento:
Eu nasci perto de Aracaju (capital do estado de Sergipe-Brasil), em Itaporanga da Juda, lá no meio do mato, numa família humilde, mas honesta também. Depois fomos para Santos-SP, morar lá no Nova Sintra, no morro. A gente morava numa casinha humilde, morava num quarto onde todo mundo dormia junto. Depois eu ia estudar, depois das aulas eu ia vender doce no ponto final dos ônibus, em Santos. Vender bananinha para ajudar minha família, né. Depois eu parei de vender doce e fui trabalhar com um português, carregando lavagem nas costas de domingo a domingo. Depois fui trabalhar na oficina, aprender a função de mecânico. Aí, estudei. Depois fiz um concurso, entrei nas docas. Aí, ganhei uma passagem e vim cair aqui em Portugal. Cheguei aqui em 1994. Tenho nove anos aqui. E faço também um trabalho social porque eu gosto de ajudar as crianças mais carentes porque é importante você fazer uma criança sorrir, não só no Natal, mas também no ano todo (...) (mestre Barão, comunicação pessoal, 08 de junho de 2003).

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