Transformação da capoeira e inserção no contexto
escolar
A
capoeira, esta arte de origem controversa e que ainda desperta muita polêmica,
emergiu no bojo das camadas populares e adentra as instituições públicas e
privadas de forma arrebatadora e efusiva, sendo capaz de em pouco mais de
quatrocentos anos de trajetória estar presente na maior parte das escolas,
clubes, universidades, academias, dentre outros, se firmando com força em
vários países do mundo, força esta, que ora estamos precisando verificar, os
interesses ideológicos que estão sendo defendidos nas entrelinhas de sua
expansão pelo mundo. Partindo dos princípios de que a capoeira, ao longo de sua
história, passou por uma série de transformações para firmar seu espaço no
ambiente escolar e que a escola funciona, na maioria das vezes, como um
aparelho ideológico do estado, que por sua vez estará sujeito aos ditames do
capital, tentaremos aqui traçar um painel desta dialética relação entre a
capoeira e a escola.
Para
compreender os conflitos desta relação, precisamos lembrar que o surgimento da
escola teve suas bases associadas a uma estratégia de manutenção da diferença
entre a classe operária e a classe burguesa, sendo esta última beneficiada pela
manutenção ideológica garantida pela escola, pois ali estariam garantidos os
princípios de construção da separação entre fazer e pensar, corpo e mente, etc.
Todo
sistema de ensino da sociedade capitalista assenta no racionalismo burguês, ou
seja, um idealismo ou iluminismo que esclarece os espíritos, a massa e a
matéria. Toda a sociedade dividida em duas classes é necessariamente idealista:
a elite esclarecida dita as normas, e a massa bruta deve segui-las sem
discussão.
A
partir da análise deste contexto acima, fica fácil compreender o tamanho do
"desafio" e das transformações, que foram "necessárias"
para enquadrar a capoeira na lógica escolar, pois a capoeiragem historicamente
foi também símbolo de contestação da lógica vigente e sua fundamentação
filosófica, centra-se em uma simbologia que extrapola o conceito de educação
escolar, ratificando o verdadeiro conceito de educação, que não estabelecem
fronteiras, nem limites para as relações de ensino-aprendizagem.
Segundo
DANGEVILLE (1978): Quando a escola é a aldeia, a educação existe onde não há
escola e por toda parte pode haver redes e estruturas sociais, de transferência
de saber de uma geração a outra, onde ainda não foi sequer criada a sombra de
um modelo de ensino formal e centralizado. Porque a educação aprende com o
homem a continuar o trabalho da vida. Á vida que transporta de uma espécie para
outra, dentro de historia da natureza, e de uma geração a outra de viventes,
dentro da história da espécie, os princípios através dos quais a própria vida
aprende a ensinar a sobreviver e a evoluir em cada tipo de ser.
Deste
conceito mais amplo de educação surgem às bases filosóficas dos ensinamentos da
simbologia da capoeiragem. Assim fica fácil compreender o tamanho do abismo
entre a matriz norteadora da capoeira e a forma na qual ela se apresenta hoje
nas escolas.
Portanto,
a capoeira ganha uma nova roupagem que abre a possibilidade de institucionalização
da mesma, pois pela primeira vez a sociedade reconhecia e decodificava os
símbolos que fundamentavam a prática de ensino da capoeira, por meio de um
método sistematizado e escrito que poderia facilmente ser implantado em
diversas instituições, fato este que aliado a uma conjuntura política que
estimulava ideais nacionalistas pela forte influência do "Estado
Novo" de Vargas na defesa de um modelo de ginástica que pudesse ser
genuinamente brasileiro, impulsionaram um grande crescimento e divulgação da
capoeira. Um outro fator que contribuiu muito para a expansão da capoeira
institucionalizada foi à condição desta alternativa apresentar-se como uma
possível tentativa de cooptação e controle de uma arte que insurgisse de forma
subversiva em alguns pontos do território nacional, a exemplo das maltas do Rio
de Janeiro e de outros pequenos movimentos de contestação da estrutura social
vigente, que tinham na capoeira um braço de luta, ou seja, é importante lembrar
que esta aceitação teve um preço alto, pois, a necessidade de atender os
anseios de uma classe social dominante, enquadrou e remodelou a capoeira em um
perfil alienador, que em última instância desarticulava sua simbologia
metodológica revolucionária e a colocava a serviço do sistema.
A
partir desta transformação, a capoeira gradativamente vai inserindo-se no
contexto escolar, podendo-se atribuir ao Mestre Bimba um papel importante neste
processo, pois através de seu contato com estudantes universitários de
Salvador, que o convidaram para ensinar na pensão onde residiam, o mestre pode
ter acesso a uma camada social e a códigos e símbolos do conhecimento
científico que possibilitaram a criação e sistematização deste novo modelo de
ensino da capoeira. A partir daí a capoeira inicia seu processo de institucionalização.
O novo modelo de capoeira criado por Bimba e seus discípulos passa a ser
reconhecido paulatinamente pela sociedade civil, sendo inclusive o Mestre Bimba
agraciado com o título de Instrutor de Educação Física, mediante diploma
oficial assinado por Dr. Gustavo Capanema, o então Ministro de Educação, no ano
de 1957 pelo enquadramento do ensino da capoeira na legislação vigente. Apesar
dos avanços proporcionados por Bimba, o mesmo só teve acesso a uma única
instituição, que foi o CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), na
qual ministrou aulas de capoeira para os aspirantes da reserva. Este fato
denota que a capoeira institucionalizada inicia-se com M. Bimba, mas só vem se
firmar com o passar dos anos, através de outras iniciativas promovidas por seus
alunos.
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